Quando aconteceu a primeira guerra de consoles?

Quando aconteceu a primeira guerra de consoles?

A primeira guerra de consoles aconteceu durante o período classificado como segunda geração desses aparelhos para jogos eletrônicos. Entre o fim dos anos 70 e início dos 80. A hegemonia do VCS, conhecido também como Atari 2600, foi ameaçada de maneira brilhante pela Mattel com o Intellivision.

Neste artigo iremos entender em detalhes todo esse desenrolar da famosa primeira guerra de consoles, rivalidade que estabeleceu bases para o que veríamos em décadas seguintes, em confrontos tão legais quanto, como Nintendo x SEGA, ou até mesmo Sony x Microsoft.

A guerra de consoles raiz

Numa época em que imaginar a internet como temos hoje era algo totalmente fora de uma realidade, em que a amplitude de opiniões, disseminada em altíssima velocidade pela rede nem existia, já tínhamos uma guerra de consoles em curso.

Para aqueles que gostam de estratégias de marketing mais agressivas, com provocações diretas aos adversários, esse período é mágico. Mas as provocações não eram de maneira rasa e sem propósito como vemos aos baldes nos nossos tempos de redes sociais. Os concorrentes tentavam esmerilhar seus produtos para terem argumentos realmente convincentes que mudasse o curso do mercado. Essa foi a base da estratégia da Mattel com o Intellivision para causar dano na Atari e a supremacia do seu icônico 2600.

Dos brinquedos aos consoles

Mattel

Pode soar engraçado ler que a Mattel, mundialmente conhecida por brinquedos como Barbie e Hot Wheels, foi uma protagonista de uma guerra de consoles.

E ao analisar o retrospecto histórico da empresa, essa surpresa diminui, já que a Mattel iniciou sua jornada em 1945 como uma fabricante de molduras e acessórios para casa de boneca. A mudança completa para o segmento de brinquedos aconteceu apenas na década seguinte. Assim como a Nintendo também começou em um segmento e abraçou outros polos ao longo dos anos, a Mattel fez o mesmo, inclusive enveredando para o mercado de jogos eletrônicos.

A primeira cartada não foi o Intellivision, e sim o Auto Race, um jogo portátil lançado pela empresa em 1977. Exatamente no ano em que aconteceu o primeiro crash da indústria, devido ao mundaréu de clones de Pong. Empresas menores caíram fora desse mercado, e saltamos para a segunda geração. Num primeiro momento com a Atari navegando em mares tranquilos com o Atari 2600 até o Intellivision dar as caras.

O icônico Atari 2600

Imagem do Atari 2600, console importante na primeira guerra de consoles

A Atari é uma marca que transcende o mercado em que atua. Definitivamente, é um nome que faz parte da cultura pop em sua totalidade. Não é apenas um nome do mercado de games, está ligada a todo o poder e impacto do mundo do entretenimento. É histórica e ponto final.

E tão histórico quanto é o Atari VCS (Video Computer System), lançado em 1977. Também conhecido como Atari 2600, o console chegou ao mercado quando a Atari já era uma marca da Warner Communications (hoje em dia Time Warner).

Linha de produção do Atari 2600

Lançado um ano depois do Fairchild Channel F, que deu o pontapé inicial na segunda geração de consoles, as vendas do Atari 2600 ficaram abaixo do que era esperado pela empresa durante um grande período, o ponto de virada foi a adaptação de Space Invader, que era voltado para Arcade, para o console, em 1980.

Olhando o sucesso da Atari com o VCS, a Mattel resolveu entrar nessa competição. Após realizar um pequeno teste de vendas em 1979, a empresa lançou o Intellivision em massa em 1980. Apostando em mais qualidade técnica que seu concorrente e também num marketing certeiro.

Você sangra? Vai sangrar!

Neste período, muitos consoles que chegaram ao mercado eram apenas clones da opção da Atari, mas o Intellivision não.  A Mattel tinha realmente uma alternativa. Que podemos definir como peculiar.

A máquina não era apenas tecnicamente superior, ela parecia mais inovadora. Com mais classe. Projetado por Dave “Papa Intellivision” Chandler, engenheiro chefe da Mattel, o console chamava a atenção, num primeiro momento, por seu controle. Formado por um disco com 16 possíveis direções de movimento – duas vezes o número de comandos que era possível com um console da época. O Intellivision também tinha um painel com 12 botões.

Mattel intellivision, importante na primeira guerra de consoles
Mattel intellivision

Debaixo do capô, o poderoso processador General Instruments de 16 bits. Superando com folga outros consoles e até mesmo computadores. A Mattel não estava para brincadeira. No quesito áudio, outro ponto de vantagem. Um chip que permitia a saída de três canais de áudio. Confira abaixo uma imagem da placa do Intellivision, registrada no livro “The Game Console: A photographic history from Atari to Xbox.

placa-mãe do Intellivision

O Intellivision era mais caro que o Atari 2600 (US$ 169 x US$ 269), mas realmente estava em outro patamar para aqueles que queriam uma experiência de jogabilidade acima do que era oferecido na época. A Mattel sabia bem disso, e fez questão de fazer a Atari “sangrar publicamente” com seus comerciais.

Um dos spots publicitários de games mais provocativos de todos os tempos aconteceu justamente nessa rivalidade entre Atari e Mattel. A Mattel usou toda a credibilidade do escritor George Plimpton para mostrar uma comparação lado a lado entre o Intellivision e o Atari 2600.

Milhões de americanos puderam ver Plimpton caminhando até duas TVs de tubo para conduzir a comparação entre o que era desfrutar de jogos no Atari e no Intellivision. Provavelmente, até o mais fervoroso fã ou funcionário da Atari sentiu aquele golpe.

A diferença era muito grande. O Intellivision foi o primeiro grande console para uma experiência de simulação mais realística de um jogo esportivo, e, nos comerciais, a Mattel fazia questão de mostrar como o Atari estava atrás nisso. “Se experimentares os dois, acho que verás que o vencedor é claramente o intellivision”, afirmara Plipton no comercial.

Já a Atari também dava suas alfinetadas, enfatizando sua gigante biblioteca de jogos.

A Mattel alocou cerca de US$ 3,5 milhões para essa campanha de publicidade. E deu resultado. Conforme relembra Alexander Smith no livro “They Create Worlds: The Story of the People and Companies That Shaped the Video Games Industry, o comercial teve um impacto imediato nas vendas do Intellivision.

No fim de 1980, a Mattel já tinha esgotado seu estoque de 190 mil unidades do Intellivision, além de também ter vendido 1 milhão de cartuchos. Esse panorama concedeu à empresa cerca de 20% do mercado de consoles e 11% do mercado de cartuchos.

O ponto aqui não foi uma vitória da Mattel sobre a Atari. Isso não aconteceu. Em números gerais, o Atari 2600 vendeu mais que o Intellivision. O grande detalhe é esse olhar de como é importante um mercado com alternativas reais. Empresas que investem em produtos distintos, com estratégias ousadas e criativas. Blindando o consumidor com opções. Todo e qualquer consumidor deveria sempre defender um mercado plural e que fuja de uma certa mesmice!

Essa briga da Mattel com a Atari também passou por encontrar caminhos diferentes para solucionar problemas de outras maneiras. A Atari tinha em sua mão a possibilidade de converter inúmeros sucessos do arcade para o console. Com a Mattel o caminho adotado foi outro.

A belíssima máquina de arcade do jogo da Atari Pole Position II

Além do investimento no segmento de jogos esportivos, a empresa também teve que se virar para colocar games de ação na sua plataforma, como o lendário Astrosmash, uma cópia óbvia de Asteroids e Space Invaders. Mas deu certo.

Caixa do Astromash

Em 1983, a Mattel já tinha vendido mais de 980 mil cópias do Astrosmash, fazendo com que o game ocupasse a terceira posição entre os títulos mais vendidos para a Intellivision, atrás de Major Legue Baseball e Las Vegas Poker e Blackjack. Ao todo, o lendário Astromash vendeu cerca de 2 milhões de unidades.

Ainda em 1983, a Mattel lançou uma segunda versão para o Intellivision, com design repaginado. E a Atari já tinha desde 1982 o Atari 5200, que contava com uma série de melhorias em relação ao 2600. Antes do famoso crash de 1983, ainda deu tempo da Coleco, com o Colecovision, se estabelecer como a “terceira via” dessa competição.

Quem vendeu mais?

Mas e aí, como ficou a contagem de milhões de unidades vendidas entre o Atari 2600 e o Intellivision?

A Atari venceu com folga essa disputa. O console vendeu mais de 27 milhões de unidades, já o Intellivision acumulou um pouco mais de 3 milhões de unidades comercializadas.

O efeito da queda da Atari, e o marasmo e saturação do mercado de jogos, que resultou no crash de 1983, empurrou para debaixo do tapete a ideia da Mattel em prosseguir neste mercado.

A empresa perdeu metade do valor, e conseguiu vender a divisão responsável pelo Intellivision em 1984. A Coleco também não aguentou e faliu em 1988. A própria Atari também foi vendida, em 1984, para a Tramel Technology.

 

45 anos depois, num reencontro histórico, Atari e Intellivision agora fazem parte do mesmo grupo. A Atari, comprada em 2008 pela Infogames Entertainment SA, anunciou essa semana que adquiriu a marca e a biblioteca de jogos do Intellivision, que já não pertencia mais à Mattel. Em 2018, Toomy Tallarico comprou os direitos da marca, que agora vão para as mãos de sua rival histórica.

Sobre o Autor

Editor-chefe no Hardware.com.br, aficionado por tecnologias que realmente funcionam. Segue lá no Insta: @plazawilliam Elogios, críticas e sugestões de pauta: william@hardware.com.br
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